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A ponte do Rio Abaixo

A ponte do Rio Abaixo

A HISTÓRIA

 

Em meados de 2015, o Prof. Emérito da Escola Politécnica da Bahia, Engº Civil Antonio Carlos Reis Laranjeiras, moderador do grupo Calculistas, que tem abrangência nacional, lançou um desafio aos integrantes do grupo. 

Este desafio se constituía na viabilização de uma publicação, que posteriormente recebeu o título: “Aprendendo com os erros dos outros”.

Cada participante contaria “um caso” de uma obra de engenharia de sua autoria, onde tivesse ocorrido algo merecedor de ser narrado, tal como: uma inovação tecnológica, um projeto com algum requinte, uma patologia interessante ou qualquer fato curioso que pudesse ser do interesse dos demais integrantes do grupo.

Ao todo, 27 engenheiros relataram 50 casos distintos, que pontificaram, justamente, por sua diversidade de assuntos e de estilos.

Estes assuntos permearam por diversas áreas do conhecimento, tais como: geotecnia, concreto armado, concreto protendido, estruturas de aço, patologia das estruturas e abordaram problemas de estruturas sob ações estáticas, dinâmicas e situações de incêndio em edificações, pontes, adutoras, reservatórios, chaminés, muros de contenção e outros.

Os casos se referiram a assuntos, tais como: fissuração excessiva, deformações inconvenientes, corrosão de armaduras, vibrações anormais e colapso progressivo.

Este autor participou do desafio com o artigo intitulado: “A PONTE DO RIO ABAIXO – A ideia que deu certo”.

Essa ponte, localizada na divisa dos municípios de Capão Bonito e Ribeirão Grande, construída em 2011 pela empresa CONSTRÓI SERVIÇOS LTDA, através de convênio com a Defesa Civil do Estado de São Paulo, teve projeto e execução sob a responsabilidade deste autor.

 

O CASO

 

Este caso refere-se ao projeto de uma ponte de concreto armado, com 27,00m de extensão, estrutura principal com duas vigas longarinas isostáticas, vão central de 20,00m e balanços com 3,50m de cada lado. 

A premissa inicial do projeto era a concepção de uma estrutura convencional moldada “in loco”. 

Entretanto, além do leito do rio ser profundo, o local era sujeito a enchentes, e consequentemente, seria temerário o uso de cimbramentos dentro do rio. 

Um caminho melhor seria a utilização de vigas pré-moldadas de concreto armado.

Mas, mesmo assim, o cenário continuava adverso, pois a estrada existente não permitia o acesso de um guindaste com a capacidade necessária para o içamento e lançamento dessas vigas, que tinham seção transversal de 0,40 m x 1,70 m e peso da ordem de 459 kN (46 tf).

Para piorar um pouco mais, em se tratando de obra pública, os custos eram extremamente apertados.

A figura 14.1 mostra o que restou de uma ponte de madeira que desabou durante a passagem de um caminhão carregado com materiais de construção. 

A SOLUÇÃO

 

Com a participação e consultoria do Prof. Dr. Roberto Chust Carvalho, da Universidade Federal de São Carlos, em uma reunião para discussão do projeto 

 

dessa obra, utilizou-se a técnica do “brainstorm”, com várias ideias sendo sugeridas, até que de repente uma delas, de início aparentemente “maluca”, viria a se transformar na solução viável. 

As vigas com o peso elevado poderiam ser concretadas parcialmente, reduzindo-se sua seção transversal e comprimento. Assim, com uma seção parcial da ordem de 0,40 m x 0,70 m e comprimento de 20,00 m, o peso de cada viga seria de apenas 165 kN (16,5 tf), cerca de 35% do peso das vigas com seção integral.

Entretanto, essas vigas de seção reduzida não suportariam seu próprio peso para serem içadas e lançadas. 

Além disso, quando lançadas precisariam permitir a complementação da seção transversal sem qualquer tipo de escoramento. 

Foi aí que a protensão apareceu na composição da solução final.

Assim, essa seção reduzida foi protendida com quatro cordoalhas engraxadas de 12,5mm e após sua concretagem, um guindaste de tamanho menor a lançou para sua posição definitiva, onde o restante da seção originalmente projetada, foi integralizada.

Assim, além de não ser necessário qualquer tipo de cimbramento no vão central, o guindaste menor acessaria o local da obra sem nenhum problema e com um custo bem menor. 

As cordoalhas protendidas foram utilizadas apenas por razões construtivas, e poderiam ser dispensadas após o período de cura das vigas principais, visto que não contribuíam para a seção resistente das peças. 

Entretanto, como elas permaneceriam no interior das vigas, iriam melhorar bastante a fissuração e consequentemente, com o aumento do momento de inércia da seção transversal obter-se-ia uma flecha bem menor no vão central.

Era a solução do ganha-ganha, sempre desejável.

Em seguida, a laje do tabuleiro seria concretada, com a utilização de pré-lajes apoiadas sobre essas vigas, agora já com seção completa. 

As fotos que se seguem ilustram o procedimento construtivo utilizado.

“A IDEIA QUE DEU CERTO”

 

Mas afinal: de quem foi a ideia de reduzir o peso das vigas na fase inicial para viabilizar o lançamento com um guindaste de porte menor?

Por paradoxal que possa ser, esta ideia não foi de um engenheiro. 

Durante uma pausa para um cafezinho, com as conversas seguindo acaloradas, um ex-policial rodoviário que apenas aguardava o término da reunião, interrompeu e disse: “já que vocês não conseguem carregar porque não diminuem o peso dessas vigas”.

Foi a dica que faltava. 

Essa frase mágica deu início à viabilização de uma solução inédita, inovadora e de grande aprendizado para todos os profissionais envolvidos.

“A sabedoria não vem do acerto, mas do aprendizado com os erros”. 

 

 

Carlos Roberto Santini

Engenheiro Civil

Mestre em Estruturas pela Universidade  Federal de São Carlos – UFSCar

Graduado pela Escola de Engenharia de São Carlos da  Universidade de São Paulo – USP, em 1977.